Conversa com o (a) professor(a)
Como pensar a história da África e dos afrodescendentes na sala de aula? Essa historinha nasceu para ajudar-nos nessa tarefa, a partir do uso de uma narrativa ficcional nas aulas de história. Por meio dela nosso objetivo seria articular o berimbau à história da música popular.
É importante não usarmos a música como ilustração apenas. Nestes casos, principalmente nos livros didáticos, o único elemento analisado é a letra da música. É possível, contudo, ampliar essa abordagem relacionando as letras das músicas com seus elementos formais (ritmo, melodia, harmonia) e assim ampliar a gama de documentos históricos conhecidos pelos alunos.
Por fazer parte do cotidiano dos alunos a música é uma ferramenta importante pra despertar o seu interesse pelo conteúdo de história. Contudo, convém lembrar que na sociedade contemporânea a música é consumida, desta forma a dificuldade reside em transformar o momento de entretenimento em objeto de investigação, desnaturalizando o sentido da música, não só a ouvindo, mas também a pensando!
Algumas discussões propostas seriam: incluir o berimbau como um instrumento legítimo na história da música popular e não como algo exótico ou mítico; discutir a linguagem musical como documento histórico e também seu conteúdo (as letras das músicas) – no caso do berimbau e da capoeira alguns temas são: preconceito racial; escravidão negra; papel dos negros na sociedade brasileira pós-escravidão; criminalização da cultura negra.
O professor Marcos Napolitano nos dá algumas dicas sobre como trabalhar sob o viés histórico a música popular: partir da descontinuidade histórica, ou seja, evitar criar cronologias lineares e linhas do tempo; assim como não se apegar às origens somente como se restringir ao estudo do instrumento pelas datas de criação; desconstruir a “memória canônica”, no caso do berimbau não ficar somente no fato dele ser usado como resistência pelos escravos, mas tentar analisá-lo em toda sua riqueza musical; deixar os alunos fruírem esteticamente do instrumento e não somente despejar informações, levar um berimbau na sala de aula pode ser uma ótima solução.
A obra musical deve ser considerada uma obra de arte e um “feixe de tensões de problemas e séries culturais” , às vezes contraditórias, portanto expressão de “projeto e lutas culturais de uma época” e na sala de aula devemos levantar questões sobre o instrumento musical, desde sua forma material até sua expressão como objeto cultural, que carrega ideologias e significados.
Sobre a música de origem africana, temos algumas reflexões a propor para serem feitas: pensar que a música na África, entre os povos bantos angolanos, se relaciona com o que há de mais íntimo para as pessoas inseridas nessa cultura, ou seja, é uma música da alma, portanto há imbricação entre canto, dança e música, assim como entre cor, luz e ritmo e entre músicas e sociedade. Não é somente como é hoje nas sociedades industriais ocidentais um entretenimento que movimenta milhões de dólares, mas é algo constitutivo dos povos.
Entre os povos antigos bantos os instrumentos musicais eram não só materialidade, mas transcendentais, por se inserirem em atividades ritualistas, mágicas e religiosas, ou seja, presente em diversos momentos da vida e não somente em motivos de festa. Portanto o berimbau pode ser estudado nas suas relações com essas características culturais de onde veio, que são essencialmente diferentes das ocidentais, em que nós estamos inseridos. A comparação deve servir não como forma de valorizar uma coisa em detrimento de outra perante os alunos, mas sim como exemplo de problematização do mundo, para conseguirmos perceber melhor as individualidades culturais e a diversidade. A relação entre berimbau e tambor presente na história que apresentamos não é casual, por exemplo, mas expressão do peso que o tambor tem nas sociedades bantos, considerado um “avó” dos instrumentos.
Por fim, considerar que a influência da música africana revolucionou a música ocidental no século XX, já que no Brasil, por exemplo, quase todos os maestros das bandas de música no começo da República eram angolanos e em Nova Iorque praticamente mil músicos se deslocavam do Harlem cotidianamente para tocar5. Em suma, o samba, o jazz, o maxixe, a salsa, o RAP e o Funk, além de vários outros ritmos espalhados pela América têm em comum a ancestralidade africana, que o nosso Gunga descobre tão feliz nessa pequena história.
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