África em Histórias
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Toques de Berimbau
Os diferentes ritmos utilizados na capoeira, como tocados no berimbau, são conhecidos como toques. Estes são alguns dos toques mais comumente utilizados:
Angola
É o toque para um jogo de dentro lento rasteiro, praticado com a mão no chão, chamado jogo de angola, onde o capoeirista mostra força e equilíbrio; é jogo solto de mandingueiro. Essa é a origem da capoeira.
São Bento Grande de Bimba
Este toque foi criado por Mestre Bimba. É chamado também de São Bento Grande da Regional. Toca-se ele com um berimbau médio, dois pandeiros de cada lado fazem parte da formação da bateria (a essa formação instrumental dá-se o nome de “charanga”). É um toque que transmite muita energia e exige dos capoeiras muita técnica e atenção.
São Bento Grande de Angola
Esse toque é utilizado no jogo de Angola, é tocado com o berimbau viola e fazendo repiques. Mas também há grupos de capoeira que usam o toque São Bento Grande de Angola para jogar “regional” um jogo rapido e de floreios.
São Bento Grande de Angola seria o mesmo que a capoeiragem do tempo dos escravos, apenas assim denominada e talvez com algumas modificações. Angola, como também é conhecida, é um jogo onde predominam rasteiras e cabeçadas. É um jogo lento e cheio de armadilhas. Geralmente costuma ser um jogo baixo, com bastamte movimentos próximos ao chão.
São Bento Grande
O toque de São Bento Grande corresponde ao toque do terceiro ritmo. Quando o gunga o toca, o berimbau médio executa o São Bento Pequeno e a viola toca o São Bento Grande. Nesse momento a luta é enfatizada no jogo, exigindo velocidade de reflexos.
São Bento Pequeno
São Bento Pequeno é um toque de berimbau cadenciado e lento. Ele é executado com duas batidas apenas com o apoio do dobrão sobre o aço, seguida rapidamente de uma terceira batida marcada pelo dobrão, uma batida no aço solto e um balanço do caxixi.
Iúna
O toque de Iúna (assim como os outros toques) não possui um criador identificado, (assim como não existe ‘um criador’ da capoeira, a qual é resultado de inúmeras experiências dos afro-brasileiros no tempo da escravidão), no entanto, alguns capoeiristas atribuem sua criação ao Mestre Bimba, onde ele servia para os alunos formados demonstrarem toda a sua habilidade. Dentre estas habilidades, podemos citar: saltos, piruetas, firulas, paradas-de-mão, etc
Mestre Bimba costumava desenvolver neste ritmo a chamada “cintura-desprezada” ou “balões cinturados” que consistía em uma seqüência de balões (movimentos em que um jogador é lançado para o alto e precisa cair em pé), geralmente exigido ao aluno graduado.
Cavalaria
Em capoeira, cavalaria é o toque de alerta máximo ao capoeirista. É usado para avisar o perigo no jogo, a violência e a discórdia na roda. Na época da escravidão, era usada para avisar aos negros capoeiras da chegada do feitor. Na República, quando a capoeira foi proibida, os capoeiristas usavam a “cavalaria” para avisar da chegada da polícia montada, ou seja, da cavalaria.
Samango
Toque onde a acústica da barriga é enfatizada. Era utilizado para mostrar que existia a aproximação de pessoas no local onde estava sendo executado e acompanhava a velocidade das passadas, aumentando com a aproximação.
No Brasil, principalmente no nordeste, diz-se do soldado razo, sem qualquer patente e/ou iniciante na polícia.
Diz-se, ainda, daqueles que são abobalhados, sem malícia para brincadeiras pesadas e/ou maliciosas.
Santa Maria
Na capoeira, Santa Maria é o toque usado quando o jogador coloca a navalha no pé ou na mão. Um dos toques mais bonitos do berimbau, o tocador precisa desenvolver uma escala de notas e retornar ao começo da escala que da ao ritmo uma caracteristica muito diferente dos demais toques da capoeira, em especial da capoeira regional.
Benguela
Benguela é o mais lento toque de capoeira regional, usado para acalmar os ânimos dos jogadores quando o combate aperta. É um jogo cadenciado.
Amazonas
Amazonas é o toque festivo usado para saudar mestres visitantes de outros lugares e seus respectivos alunos. É usado em batizados e encontros.
Idalina
Toque para jogo de navalha. (Revista Praticando Capoeira, ano I, n.º 03).
Regional de Bimba
Regional de Bimba é um estilo da Capoeira voltada para o combate.
Criada pelo Mestre “Bimba”, dividiu a capoeira em dois estilos, sendo a outra a Capoeira de Angola, que até então era chamado de brincadeira dos angolas.
O que caracteriza a capoeira regional de Bimba, são as suas seqüências de ensino de ataque, defesa e contra-ataque, com movimentos mais objetivos e eficientes, sem muitos floreios rasteiros, consiste em saltos e golpes aéreos.
O praticante de capoeira regional de Bimba ganha força, velocidade, elasticidade, ferocidade, relfexo e controle mais amplo dos movimentos.
Letras de músicas de capoeira
Marinheiro só
Letra da música:
Eu não sou daqui
Capoeira (Coro)
Eu sou de São Salvador
Eu fui discípulo de Bimba
Foi ele quem me ensinou,
Eu quero ver
CORO
Eu quero ouvir berimbau
Eu quero ver a rasteira
Na Angola e Regional,
Eu não sou daqui
CORO
Eu sou de São Salvador
Eu fui discípulo de Bimba
Foi ele quem me ensinou
Negro Escravo:
Iê! Faz muito tempo
Me dói só de lembrar
Que o negro era escravo
Apanhava sem parar
Acordava bem cedinho
E com a dor da chibatada
Que ardia e não passava
Ia pro mato trabalhar
Trabalhava noite e dia
Não sonhava e mal dormia
E nem tinha tempo pra rezar
Por causa de tanta angústia
O negro fez uma luta
E fingiu ser uma dança
Pra poder se libertar
Assustada com essa dança
Que tinha gosto de vingança
A polícia proibiu
E tentou acabar assim
Com a capoeira no Brasil
Mas nada disso adiantou
A capoeira foi mais forte
Venceu o ódio e se firmou
O negro agora é livre
O pesadelo já passou
Capoeira hoje é vida
É arte, é poesia
É mistério, é sentimento
É vontade de vencer
É vontade de cantar
O laê laê lá
Ô lêlê
Hoje tem Capoeira.
Olha, pega berimba começa a tocar
Pandeiro e atabaque não pode faltar
No jogo ligeiro que lá na Bahia aprendi a jogar
Meia-lua, rasteira, martelo e pizão
Solta a mandinga conforme a razão
Na reza cantada pede proteção
Ê, hoje tem capoeira
No toque do viola
Chega pra roda e vamô jogar (2x) (Coro)
Oi, meu mestre foi Bimba
Negro mandingueiro
Com quem essa arte aprendi a jogar
Joguei na Ribeira, no pé da ladeira
E na beira do mar
Pula daqui, olha joga pra lá
Discípulo de Bimba chegou pra jogar
terça-feira, 21 de junho de 2011
GUNGA
Conversa com o (a) professor(a)
Como pensar a história da África e dos afrodescendentes na sala de aula? Essa historinha nasceu para ajudar-nos nessa tarefa, a partir do uso de uma narrativa ficcional nas aulas de história. Por meio dela nosso objetivo seria articular o berimbau à história da música popular.
É importante não usarmos a música como ilustração apenas. Nestes casos, principalmente nos livros didáticos, o único elemento analisado é a letra da música. É possível, contudo, ampliar essa abordagem relacionando as letras das músicas com seus elementos formais (ritmo, melodia, harmonia) e assim ampliar a gama de documentos históricos conhecidos pelos alunos.
Por fazer parte do cotidiano dos alunos a música é uma ferramenta importante pra despertar o seu interesse pelo conteúdo de história. Contudo, convém lembrar que na sociedade contemporânea a música é consumida, desta forma a dificuldade reside em transformar o momento de entretenimento em objeto de investigação, desnaturalizando o sentido da música, não só a ouvindo, mas também a pensando!
Algumas discussões propostas seriam: incluir o berimbau como um instrumento legítimo na história da música popular e não como algo exótico ou mítico; discutir a linguagem musical como documento histórico e também seu conteúdo (as letras das músicas) – no caso do berimbau e da capoeira alguns temas são: preconceito racial; escravidão negra; papel dos negros na sociedade brasileira pós-escravidão; criminalização da cultura negra.
O professor Marcos Napolitano nos dá algumas dicas sobre como trabalhar sob o viés histórico a música popular: partir da descontinuidade histórica, ou seja, evitar criar cronologias lineares e linhas do tempo; assim como não se apegar às origens somente como se restringir ao estudo do instrumento pelas datas de criação; desconstruir a “memória canônica”, no caso do berimbau não ficar somente no fato dele ser usado como resistência pelos escravos, mas tentar analisá-lo em toda sua riqueza musical; deixar os alunos fruírem esteticamente do instrumento e não somente despejar informações, levar um berimbau na sala de aula pode ser uma ótima solução.
A obra musical deve ser considerada uma obra de arte e um “feixe de tensões de problemas e séries culturais” , às vezes contraditórias, portanto expressão de “projeto e lutas culturais de uma época” e na sala de aula devemos levantar questões sobre o instrumento musical, desde sua forma material até sua expressão como objeto cultural, que carrega ideologias e significados.
Sobre a música de origem africana, temos algumas reflexões a propor para serem feitas: pensar que a música na África, entre os povos bantos angolanos, se relaciona com o que há de mais íntimo para as pessoas inseridas nessa cultura, ou seja, é uma música da alma, portanto há imbricação entre canto, dança e música, assim como entre cor, luz e ritmo e entre músicas e sociedade. Não é somente como é hoje nas sociedades industriais ocidentais um entretenimento que movimenta milhões de dólares, mas é algo constitutivo dos povos.
Entre os povos antigos bantos os instrumentos musicais eram não só materialidade, mas transcendentais, por se inserirem em atividades ritualistas, mágicas e religiosas, ou seja, presente em diversos momentos da vida e não somente em motivos de festa. Portanto o berimbau pode ser estudado nas suas relações com essas características culturais de onde veio, que são essencialmente diferentes das ocidentais, em que nós estamos inseridos. A comparação deve servir não como forma de valorizar uma coisa em detrimento de outra perante os alunos, mas sim como exemplo de problematização do mundo, para conseguirmos perceber melhor as individualidades culturais e a diversidade. A relação entre berimbau e tambor presente na história que apresentamos não é casual, por exemplo, mas expressão do peso que o tambor tem nas sociedades bantos, considerado um “avó” dos instrumentos.
Por fim, considerar que a influência da música africana revolucionou a música ocidental no século XX, já que no Brasil, por exemplo, quase todos os maestros das bandas de música no começo da República eram angolanos e em Nova Iorque praticamente mil músicos se deslocavam do Harlem cotidianamente para tocar5. Em suma, o samba, o jazz, o maxixe, a salsa, o RAP e o Funk, além de vários outros ritmos espalhados pela América têm em comum a ancestralidade africana, que o nosso Gunga descobre tão feliz nessa pequena história.